Thursday, June 21, 2007

Convém Decidir...



O MODELO ACTUAL

O modelo actual que o Estado utiliza para pagar a Saúde tem uma grande vantagem e um grande defeito. A grande vantagem é ser equitativo, ou seja, toda a gente paga, quer precise quer não - o que dá corpo ao conceito de solidariedade social que atravessa todas as camadas da população.

A grande desvantagem é que é insustentável, a prazo, essencialmente porque a criação de riqueza não consegue suportar o aumento das despesas que os cidadãos exigem na saúde.

Estas conclusões fazem parte do relatório que os ministros das Finanças e da Saúde encomendaram a um grupo de peritos, e cujas conclusões caíram ontem, definitivamente, na praça pública. Contra a ideia de o modelo de financiamento ser um debate incontornável, o ministro da Saúde garantiu, já depois de ter o estudo na mão, que “as contas estão sustentadas”, e que, portanto, não é necessário, pelo menos para já, debater o modelo. Para isso muito contribuíram as medidas que este Governo implementou desde que chegou ao poder: aumento das taxas moderadoras, diminuição das comparticipações estatais de medicamentos, redução das margens das farmácias e dos laboratórios e imposição de um limite aos gastos dos hospitais com medicamentos. Mas a grande vitória política do ministro da Saúde começou antes mesmo de o Orçamento ser aprovado, quando convenceu o ministro das Finanças a adequar a dotação à despesa real. Este reforço da dotação financeira para a Saúde, adequando-a à despesa real e não ao histórico das transferências, deu credibilidade ao Governo, que pôde, munido de um orçamento realista, impor medidas que controlassem os gastos na Saúde.


1. Os principios do sistema actual
O sistema de saúde português é público, universal e tendencialmente gratuito. Nenhum hospital ou centro de saúde pode recusar o tratamento a quem quer que seja, esteja ou não munido de uma identificação. Quando um doente aparece numa urgência, é sempre tratado, independentemente das condições sociais, nacionalidade ou capacidades financeiras. Os hospitais são financiados em função da produção contratada pelo Estado e têm de aumentar a eficiência e controlar bem a despesa. Contas feitas, são 8 mil milhões de euros que os portugueses canalizam para o sistema de saúde.


2. As Taxas Moderadoras
Desse valor, apenas uma ínfima parte provém das taxas que os cidadãos pagam quando utilizam os serviços de saúde. É que as taxas são ‘moderadoras’, e não ‘financiadoras’ do sistema. Ainda assim, o valor tem vindo a subir, e o Governo já prometeu que estes valores, que representam menos de 1% dos tais 8 mil milhões de euros que o Estado gasta anualmente com a Saúde, serão actualizados anualmente de acordo com a inflação. Para já, foram criadas novas taxas, a que Correia de Campos chamou de ‘taxas de utilização’, que os doentes têm de pagar quando ficam internados ou quando realizam cirurgias nos hospitais.


3. A Política Fiscal
É na política fiscal que o espírito da Constituição de 1975 mais se faz sentir: os impostos canalizados para a Saúde são determinados em função do nível de rendimento de cada um. Existe um limite para os descontos que é possível fazer quando cada cidadão entrega a sua declaração de IRS (30% do total dos gastos desse ano), e cada contribuinte, assim, financia a Saúde em função do que ganha.

O mesmo princípio poderia ser transferido para o momento do consumo de cuidados de saúde (quando o cidadão vai ao hospital), mas a diferença fundamental no modelo actual é que todos pagam, quer utilizem os hospitais públicos quer prefiram recorrer a um hospital privado, ou até se não forem a uma única consulta durante o ano.

O problema deste modelo é que só na aparência é equitativo: os funcionários públicos, por exemplo, que têm um sistema de saúde próprio, são bastante beneficiados, porque os montantes adicionais que descontam são muito menores do que os gastos do Estado com esta parcela, que ronda os 1,5 milhões de cidadãos. Os números do relatório da comissão sobre a sustentabilidade financeira da Saúde mostram isso de forma muito nítida.


O MODELO ALTERNATIVO

O modelo proposto pelo grupo de peritos nomeados pelo Governo tem uma grande vantagem e um grande defeito: por um lado, garante a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) nas próximas décadas, mesmo com o aumento das despesas de saúde e o envelhecimento da população, mas fá-lo à custa de um aumento dos gastos directos dos cidadãos.

O relatório da Comissão para a Sustentabilidade do SNS está, por isso, recheado de medidas impopulares e sobrecarrega os cidadãos com mais contribuições para a Saúde. Além disso, toda a gente vai ter de pagar mais (ou deduzir menos despesas de saúde), e mantém-se impossível a saída do SNS, mesmo que não se recorra a cuidados de saúde públicos.


1. Os principios do sistema
Os peritos querem que o SNS permaneça universal e gratuito, sob pena de deixar de ser justo e equitativo. “Há um conjunto de opções de financiamento dos cuidados de saúde da população que implicariam um desmantelamento do próprio SNS”, pode ler-se no relatório dos peritos. Os académicos e economistas concedem, contudo, que há desvantagens inerentes ao actual SNS (menor controlo do desperdício e menor capacidade de gestão) que devem ser trabalhadas.

O controlo da despesa pública e uma maior eficiência do sistema são, por isso, defendidos pelos especialistas. As sugestões para alcançar uma menor despesa em Saúde são múltiplas: assegurar a função de triagem dos cuidados de saúde primários, melhorar os sistemas de informação, rever o sistema de convenções, entre outras. O importante é conseguir “uma quebra estrutural face ao anterior ritmo histórico de crescimento da despesa do SNS”. Além disso, a Comissão recomenda a definição dos limites da cobertura das intervenções do Serviço Nacional de Saúde. A avaliação prévia deverá garantir que só há financiamento quando determinado tratamento gerar ganhos efectivos.


2. As Taxas Moderadoras
A Comissão liderada por Jorge Simões aconselha ainda que seja revisto o actual regime de isenção das taxas moderadoras. O critério de isenção deveria ser, sugerem, a capacidade de pagamento de cada pessoa, sendo que os doentes crónicos devem continuar isentos. Por outro lado, os especialistas deixam claro que é essencial a actualização do valor das taxas moderadoras “pelo menos ao ritmo da inflação”. A Comissão faz, porém, uma ressalva: no caso de um crescimento acelerado das despesas, as taxas moderadoras deverão ser actualizadas a um ritmo superior à inflação.


3. A Política Fiscal
Portugal é actualmente um dos países mais generosos em matéria de benefícios fiscais em Saúde. A conclusão é dos especialistas contratados pelo Governo, que garantem ainda que “o sistema beneficia mais os contribuintes com maiores rendimentos”. Além disso, as actuais deduções fiscais “não cumprem objectivos de maior equidade e contribuem para reduzir a sensibilidade das decisões de consumo”. Por tudo isto, é proposta uma redução da dedução dos encargos com a Saúde no IRS de 30% para 10%. O Governo deverá ainda rever as categorias de despesa elegível para deduções fiscais. No conjunto de recomendações dos especialistas destaca-se, por fim, a expulsão dos subsistemas de saúde do Orçamento do Estado. Neste ponto, os especialistas são claros: os subsistemas como a ADSE (para os funcionários públicos) e a ADMA (para os militares) devem ser auto-sustentados ou eliminados. Ou seja, devem terminar as transferências do Orçamento do Estado para financiar os subsistemas, que passariam a ser suportados exclusivamente por contribuições dos beneficiários. A aplicação desta medida significaria o fim do acesso ilimitado a fundos públicos para pagar as despesas de saúde de alguns grupos (os cidadãos que não estão num subsistema só podem descontar 30% das despesas feitas).

Por fim, e destacadas de todas as outras recomendações, a Comissão deixa uma medida ‘excepcional’ para aplicar apenas em caso de falência total do Serviço Nacional de Saúde. Nesse caso, e apenas nesse, os peritos aconselham a “imposição de contribuições compulsórias, temporárias e determinadas pelo nível de rendimento”.

Os peritos fazem questão de distinguir esta contribuição obrigatória de um imposto: é que as verbas recolhidas com esta taxa teriam de ser transferidas obrigatoriamente para o financiamento dos cuidados de saúde. Os especialistas sublinham que, apesar de significar mais custos para os cidadãos, esta taxa exclui a “alternativa de um racionamento do acesso a cuidados de saúde, determinado unicamente pela situação financeira de cada entidade do SNS”, isto é, de cada hospital.

in Diário Económico

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