Quando 80% dos médicos de grandes hospitais de Lisboa e do Porto se declaram objectores de consciência contra o aborto legal - revelando uma estranha e clara dessintonia entre a classe médica e a sociedade como um todo -, o Governo tem de tomar algumas atitudes, se se quiser pôr em prática a vontade expressa nas urnas.
Deve estabelecer com rigor quais os serviços públicos de saúde em condições de realizar o que as utentes do SNS requererem, verificar as incapacidades e encontrar alternativas. E tem também de fiscalizar as objecções apresentadas, para que não desaguem em negócio privado.
Depois de ter pedido ao povo que se pronunciasse, é obrigação do Estado impedir que uma qualquer classe profissional capture e desvirtue na prática o alcance da sua vontade. Esta surpreendente reacção dos médicos tem como primeira consequência fazer com que os hospitais tenham decidido aceitar apenas mulheres nas suas áreas de residência - o que põe em risco o direito à reserva e ao anonimato, sobretudo nas terras pequenas.
É preciso ter em conta que o que se diz já sobre este assunto se baseia em dados parciais de grandes hospitais centrais do SNS.
Não queria falar de coisas chatas no dia de hoje, mas é necessário e penso que bastante útil.
É um facto curioso que, na democracia actual, a esfera de liberdade que cada um possui – ou devia possuir – seja todos os dias exposta e invadida por aquilo que se chama vontade comum. É esta a fronteira entre o Estado de Direito e a democracia. O poder popular pode sobrepor-se à verdade e justiça, mesmo que injusta ou erradamente.
O editorial do público aqui representado, do Diário de Notícias de 9 de Junho, demonstra esta dicotomia.
Há uma lei que permite a objecção de consciência. E há o direito – que a meu ver é natural – de qualquer um usar a objecção de consciência.
E não penso que um médico esteja a cometer um crime ao usá-la, contra a opinião popular. Neste caso até penso que seja o contrário. Os médicos tem a missão e o objectivo de criar, de salvar e manter vidas. Para morrer não é necessário ter um médico.
Mas mais triste e, a meu ver, bastante contraditório, é que o direito à objecção de consciência – que até vem consagrado na constituição – pode ser invocado na guerra, ou seja, qualquer cidadão que, estando sujeito a obrigações militares não as pretende cumprir por convicção de que, por razões de ordem religiosa, moral, humanística ou filosófica, não lhe é legítimo usar de meios violentos de qualquer natureza, contra o seu semelhante, quer se trate de defesa nacional, colectiva ou pessoal pode fazê-lo.
Ora assim sendo, e segundo (me parecer ser) a opinião do editor do jornal, devia então obrigar-se os médicos a sacrificar crianças, num país em que estas fazem bastante falta. No entanto, no mesmo país, qualquer um tem o direito de se negar a defender a sua pátria através da objecção de consciência.
Mais uma vez a pátria fica esquecida por aqueles que nela habitam. E manifestam-no logo no dia anterior à sua festa.
Que se faça uma homenagem a todos aqueles que por Portugal se bateram e que nem sempre foram bem tratados no nosso país.
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