Sunday, November 02, 2008

Alguns Motivos pelo Museu, na senda d' "A História de um Museu"

(ou seja na senda disto)

"Salazar deixou atrás de si uma herança que pode ser contestada mas não ignorada"Gonçalo Sampaio e Mello

"António de Oliveira Salazar é, queiramos ou não, seja-se a favor ou contra, admires-se ou execre-se, uma figura incontornável da nossa vida colectiva recente"António José Ferreira



"P. S. Desculpe-me o leitor mas não resisto a uma comparação entre fatos ocorridos sob o "opressivo regime salazarista" e o dito "das mais amplas liberdades".
A Faculdade de Direito de Lisboa, a cujo corpo docente pertenci durante 41 anos, foi fundada por Afonso Costa, o estadista que nos primeiros anos da República em Portugal concitou contra ele, pêlos seus actos e atitudes, ferocíssimos ódios dos adversários e até de correligionários. Durante muitos anos não se podia falar no seu nome diante de um católico sem ouvir a mais crua manifestação de repugnância e reprovação: ele era a própria encarnação de Belzebu...
Quando a Faculdade foi instalada no magnífico edifício construído pelo governo de Salazar, a congregação dos professores resolveu pedir ao Ministério da Educação Nacional que mandasse pintar os retratos dos antigos directores para figurarem numa galeria de honra. O Ministro deferiu e os retratos começaram a ser executados; mas o de Afonso Costa, que tinha sido o primeiro Director, não aparecia. Soube-se então que havia no Ministério quem fizesse obstrução a que tal personagem aparecesse homenageado num edifício público.
Em reunião do Conselho da Faculdade insurgi-me contra o fato. Defendi a tese de que naquela escola só interessava saber quem a serviu, quem a ela se dedicara e lhe prestara serviços, independentemente do juízo pessoal ou público acerca das opiniões e dos actos políticos de cada um. E propus que, para evitar quaisquer dificuldades oficiais, o retraio de Afonso Costa fosse mandado executar e pago pêlos professores que tinham estudado e ensinavam na escola por ele criada. Aprovada a proposta, com voto contrário de apenas três professores que logo se recusaram a contribuir, foi o retraio encomendado a um pintor que se sabia ser grande admirador de Afonso Costa e pago por nós. O retraio, inaugurado no melhor lugar da imponente sala do Conselho da Faculdade, foi visto, daí por diante, por ministros e autoridades oficiais sem qualquer reparo.
Raia a aurora das mais amplas liberdades em 25 de Abril de 1974. Na primeira reunião após o acontecimento o Conselho da Faculdade aprova, por unanimidade(1), uma moção em que, recordando os serviços prestados durante tantos anos à escola pelo professor que acabava de ser deposto da presidência do Conselho de Ministros, faz votos por que ainda um dia o veja de novo restituído à Cátedra que honrou: e esse voto foi bastante para que todos quantos nele participaram se vissem privados dos seus lugares, afastados do ensino, "saneados" como se dizia, sem forma de processo.
Aí está como em Portugal num lado se põe o ramo e noutro se vende o vinho.

______________________________
(l) Na ausência do Dr. Diogo Freitas do Amaral. Este meu antigo assistente e dedicado colaborador tem declarado repetidas vezes que se estivesse presente seria incapaz de votar o que se votou..."
Marcello Caetano

No comments: