O direito à vida antecede o estado. Portanto este é um direito cujo Direito reconhece, mas cujo valor não depende deste último. Apenas o coloca no seu interior como se fosse seu, através do Personalismo Ético e da Natureza das Coisas. Assim se justifica a tutela dos direitos de personalidade, e os direitos fundamentais presentes na Constituição da República Portuguesa (CRP), nomeadamente os artigos 24º e seguintes. Mas não basta enunciar direitos. É necessário garantir a sua promoção, efectivá-los, concretizá-los. É nesse sentido que surge o artigo 64º da CRP, que nos fala de protecção da saúde, ou seja da vida. E o artigo é bastante concreto.
Artigo 64.º
(Saúde)
1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;
b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.
3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;
c) Orientar a sua acção para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;
d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;
(...)
4. O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada.
O artigo fala com justeza em Saúde. Não sei se o titulo do artigo não será até compromissório, pois falou-se muito nos últimos anos em "direito à saúde", mas tal como defende o Prof. Soares Martinez, é preferível falar de um "direito à protecção da saúde". E esse mesmo direito é tutelado pelo n.º 1 do referido artigo, do qual decorre um dever de defender e proteger a saúde.
O n.º 2 comporta duas alíneas que se complementam - sendo que no texto original da Constituição de 1976, apareciam num texto único - e nos remetem para os meios de realização deste direito: a alínea a) fala-nos de um serviço nacional de saúde que responde a todos sem excepção, desde que cidadãos(universal e geral); a alínea b) remete-nos para a promoção da educação sanitária e da cultura física e desportiva(criação de condições sociais, culturais e ambientais), e fala ainda da criação de condições económicas, que nos parece levantar algumas dúvidas hoje, visto que o motivo económico é um dos mais utilizado pelo Governo para fechar estabelecimentos de apoio hospitalar, sendo por isso esse, um entrave à protecção da saúde.
Já o n.º3 enumera as prioridades do Estado, no que toca a assegurar o direito de protecção da saúde, e ai renova-se renova-se que o serviço de saúde tem de ser acessível a todos(alínea a)), garantir o eficiente e racional - linguagem claramente económica - funcionamento do serviço nacional de saúde (alínea b), garantir que todos, dentro das suas possibilidades, através dos impostos, o suportam economicamente (alínea c)) e articular o serviço de saúde público com o privado (alínea d)).
Ora é isto em traços largos que nos revela o (excerto do) artigo 64º da CRP.
Mas atentemos agora mais pormenorizadamente nestas 4 alíneas citadas do nº3 do artigo 64º, e contraponhamos à realidade conhecida.
Na alínea a) fala-se em garantir o acesso a todos aos serviços de saúde independente da condição económica. É um artigo nobre pela justiça que traz, mas se não se efectivar não é nada. E se observarmos os vários casos, como o da vila de Albernoas, reparamos que essa garantia não existe. Mas não é caso único. A situação repete-se por todo o país e os motivos variam: é por falta de médicos, por os hospitais terem fechado, por o hospital mais proximo ser a uns tantos kilometros de distância e não há transportes, por não haver ambulâncias, etc.
Na alínea b) vemos dois conceitos económicos como o de eficiência e racionalidade. Ora não é preciso ser-se economista para sbaermos que estes dois objectivos não estão a ser alcançados.
Não só porque a eficiência deixa a muito a desejar pelos motivos acima indicados - ou seja, não garantem a protecção da saúde a todas as pessoas, - como as opções do governos não são racionais. E vemos isso pela decisão de encerrar hospitais no interior do país, hospitais esses que muitas vezes seriam o único centro de apoio para os grupos populacionais que ai habitam, em vez de o fazer em grandes centros populacionais onde existem variados hospitais públicos outros tantos privados.
E isto remete-nos logo para a aline d), cujo objectivo que se apresenta como prioridade do governo se vê frustrado, visto que as discrepâncias entre o sistema público e privado existem e não são pequenas, e que vão desde as discrepâncias a nível económico que são uma barreira a muitas pessoas, ao mesmo tempo que as ineficiências e custos causadas pela coexistência, no SNS, de três sistemas de gestão diferentes, que os médicos da carreira hospitalar sejam autorizados a assistir, nos hospitais, os seus doentes privados; médicos ineficientes ou gastos do SNS, como em 2006, os mais de 681 milhões de euros cem pagamento a privados pela realização de meios complementares de diagnósticos e terapêutica, quando existem em muitos hospitais públicos inúmeros laboratórios que estão em grande parte subutilizados.
Ora isto coloca-nos a reflectir sobre o papel do Estado. Não se pede que tenham despesas a mais, mas pede-se que pense mais no servir e não no lucro. A protecção da saúde é um direito. Mas, como a vida é o maior bem e o mais valioso que cada um tem, é um dos maiores fins do Estado defende-la e garantir a sua protecção. Se tal não sucede - o que sabemos que é um facto: quer pelas causas acima enunciadas, quer por leis como a do aborto - esta o Estado a por em causa todos os valores em que assenta a nossa cultura, e consequentemente todo o nosso Direito, por ele se fundamentar na vida humana: no homem.
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