O texto que voz aqui deixo é do prof. João Carlos Espada, publicado no Expresso de 22 de Dezembro de 2007.
Aqui fica, como se fosse o meu postal de natal.
A todos voz um Bom Natal(atrasados bem sei, mas já é habitual).
Podemos ainda desejar 'Bom Natal? Ou estaremos a incorrer em perigosa expressão de 'fundamentalismo cristão'? Que eu saiba, a moda de substituir os votos de Bom Natal por «season's greetings» começou na América, já lá vai mais de uma década. O argumento era basicamente 'inclusivo': sendo o Natal uma festa cristã, a referência natalícia poderia excluir, ou ofender, todos os que não fossem cristãos. Com o mesmo argumento, foram movidos processos judiciais contra árvores de Natal e presépios em lugares públicos — sendo a definição de 'público' generosamente abrangente: universidades privadas, por exemplo, também contavam.
Inquéritos a judeus e muçulmanos americanos chegaram então a resultados curiosos: eles não se sentiam ofendidos pelas referências natalícias. Basicamente, afinal, os que protestavam eram não crentes de uma obediência particular, que poderíamos designar por ateia (para a distinguir dos não crentes simplesmente agnósticos).
Segundo aqueles não crentes ateus, a sua posição seria neutra relativamente a crenças particulares. Mas este ponto tem óbvias dificuldades. Uma posição não crente ateia (tal como, para este efeito, uma agnóstica) é ela mesma uma posição particular. Por que razão deveria essa posição particular deter supremacia sobre outras posições particulares, designadamente sobre as crenças religiosas?
A razão, segundo alguns não crentes ateus, tem-se tornado mais clara nos últimos tempos. Uma onda de livros tem lançado sobre a religião, em particular a religião cristã, o anátema
do preconceito e do atavismo anti moderno. O argumento deixou agora de ser inclusivo para passar a ser exclusivo: já não é apenas preciso silenciar a religião para não ofender terceiros; é preciso eliminá-la para libertar os próprios crentes.
O nosso velho Isaiah Berlin, o grande filósofo da liberdade e do pluralismo, teria imediatamente detectado aqui um sofisma iliberal. Libertar as pessoas contra a sua própria vontade e sem que elas estejam a prejudicar alguém? Que liberdade é essa que consiste em exercer coerção sobre as consciências dos outros?
Outra perspectiva sobre a liberdade — que Isaiah Berlin teria apoiado — reuniu na passada terça-feira uma vasta excursão de crentes e não crentes numa visita excepcional à Cartuxa de Évora. Tratou-se do lançamento de um magnífico livro sobre 'O Segredo da Cartuxa', com texto de Paulo Moura e fotos de Nacho Doce (Pedra da Lua, 2007). Os autores não precisaram de ser crentes para respeitar e apreciar uma rara vocação de reclusão cristã — e para produzir sobre ela um livro excelente.
Bom Natal.
A proviniência da imagem é esta.
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