Quando a Inês diz que «o artista não se prende a burocracias, nem tão pouco a avaliações externas, porque só ele tem consciência do verdadeiro valor da sua obra», eu tenho de dizer que não concordo com ela.
Não que eu considere que o artista tenha de se prender a burocracias ou que deva estar totalmente dependente de avaliações externas, porque, de facto, há sempre elementos pessoais em qualquer obra que podem passar imperceptíveis a sensibilidades menos apuradas ou a inteligências mais obtusas.
É o caso d' Os Maias quando se pretende dizer que a grande questão do livro é o confronto de dois métodos educativos diametralmente opostos, quando a grande questão do livro é, em última instância, a questão da liberdade humana.
Mas, em última análise, o artista depende do exterior, até porque a sua obra pretende (ou deve pretender, caso seja arte) retratar o real exterior. A realidade, tal como se apresenta, com tudo o que de claro e misterioso ela contém, deve ser o objecto do artista.
O horror da arte moderna nasce precisamente da eliminação do significado e da ordem. O repúdio da lógica leva o artista ao sonho, isto é, acaba por conduzi-lo a representar mais os frutos da sua imaginação do que a realidade.
Com a ausência de símbolos e significados a obra de arte moderna torna-se subjectiva e hermética. Quem poderá compreendê-la senão o próprio autor? E por que desejará que a sua obra seja compreendida? Não diria ele também «Eu odeio a objectividade gordurosa e a harmonia, essa ciência que encontra tudo em ordem» (Manifesto Dadá, 1918)?
O risco desta posição é a relativização da beleza, do bem e da verdade, é esta «ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades.» (Cardeal Joseph Ratzinger).
Mas nós sabemos donde vimos. Não somos filhos da incerteza e da irracionalidade, nem do desprezo pelo ser e pela beleza concreta, inseparável do bem e da verdade. Não escrevemos, pintamos ou cantamos porque «sim», para nos fecharmos egoisticamente no nosso «eu», dando ares de grande profundidade e de resignação perante a incompreensão global.
Nós escrevemos, pintamos, cantamos, para dar testemunho da beleza do encontro com Cristo. E quando nos perguntam: «Mas porquê Cristo?» a resposta é clara: porque Cristo é o Verbo feito homem, é Deus, logo tem que ver com tudo. Deus tem que ver com tudo, nada Lhe pode escapar, porque se algum pormenor não fosse digno de ser relacionado com Ele, Ele não seria Deus.
É desta potência absoluta de Deus que nasce a nossa vitória. Jesus Ressuscitado é o facto supremo da nossa vitória. «Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa Fé» (1 Jo 5, 4).
3 comments:
Discordo. Ou muito me engano, ou o Papa Bento XVI proferiu as palavras que citaste em relação a outros domínios da actividade humana, que não as artes.
não podes impor barreiras à arte. eu percebo o teu ponto de vista, e sei que a banalização de critérios leva a que muitas vezes uns rabiscos de acrilico numa tela de algodão, que até o nosso sobrinho de 2 anos fazia, são considerados arte. acontece que a arte hoje em dia não é o que era há um século ou dois atrás. as antigas regras foram quebradas, derrubadas e finalmente extintas. e o que nos trouxe isso? a infindáveis galerias de retratos sérios e fidedignos, e paisagens perfeitas, veio acrescentar Van Gogh e Picasso, Dali e Miró. Dir-me-ás que estes homens não são artistas? as suas obras são livres e não obedecem a regra alguma, senão àquelas que eles próprios lhe impuseram. e o reconhecimento delas como Arte, para nós, não se mede por uma escala fixa, de maior ou menor consonância com um conjunto de regras, mede-se sim pelo sentimento que opera em ti, pelas sensações que desperta. não sentes o desespero da figura retratada quando olhas "O Grito" de Münch? ou pânico e sufoco ao apreciar "Guernica" de Picasso? e no fundo, não passam de traços simples, formas quase geométricas... O que quer que cries que desperte um sentimento ou emoção no teu público, para além de ti mesmo, isso sim, é Arte.
Não precisas de meter Deus ao barulho.
Meu Caro Bernardo,
O Cardeal Ratzinger proferiu as palavras que citei referindo-se ao relativismo cultural europeu, sendo que a arte é uma das dimensões fundamentais de uma cultura.
É impossível não falar de Deus quando se fala da arte, por duas razões bastante concretas:
- a primeira é que todas as acções humanas são dignas de ser relacionadas com Deus;
- a segunda é que a arte é propriamente a actividade humana que melhor exprime a relação do homem com Deus, onde o sentido religioso alcança os picos mais altos de expressividade e onde o homem consegue explicar melhor a sua relação com o destino, com as interrogações que a vida levanta, com os «porquês» que o impacto com a realidade faz nascer.
Por outro lado, o próprio conceito de beleza, que a arte deve buscar, foi muitas vezes colocado em causa - senão negado - pela arte moderna. Mais, a beleza em si é inseparável do bem e da verdade. Segundo a definição de São Tomás de Aquino, «o belo é o bem claramente conhecido». Ou Papa João Paulo II, que dizia que a «beleza é esplendor da Verdade»
«O que quer que cries que desperte um sentimento ou emoção no teu público, para além de ti mesmo, isso sim, é Arte.»
Devo dizer que não concordo contigo neste aspecto, porque a arte é uma actividade racional. A arte não se dirige aos sentimentos - que, segundo o Papa na sua primeira encícila, «Deus Caritas Est», «vão e vêm» -, mas à inteligência. Só se percebe uma obra com a inteligência, por isso os animais são incapazes de apreciar e ajuizar uma obra de arte.
Um abraço
Não sei se os animais são incapazes de apreciar arte ou beleza. Talvez lhes devesses perguntar.
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