Monday, March 31, 2008

O Estadista


(acho esta fotografia é giríssima)

O estadista é o bem mais escasso em política. Não se aprende a ser estadista, apenas se melhora como estadista. Nasce-se com essa qualidade, não se ganha essa qualidade. Ou se é, ou não se é.

O que identifica o estadista não é apenas a sua visão, mas a força mental em que assenta a sua lucidez.

É essa força que o disciplina no essencial, é essa força que o faz perseguir a grandeza antes do poder.

O núcleo essencial da sua energia é a ansiedade, aquele elo íntimo que une, de modo estranho, uma visão arriscada e uma vontade inevitável da cumprir essa visão.

A ansiedade é, superficialmente, impaciente, mas, no fundo, uma persistência enorme transforma-a num exercício sísmico de paciência.

O verdadeiro estadista não é o visionário de serviço, mas aquele com a sensatez estratégica que lhe permite obter o limite do possível e prosseguir linearmente.

O estadista, diz-se, pensa na próxima geração e não na próxima eleição. É fácil perceber porquê: só o horizonte vasto exercita a liberdade de espírito e permite valer a pena a explosão de energia que é essencial a um desígnio superior.

O estadista maça-se com o quotidiano, desconfia do sonho, abomina a ambição servil, tende a desvalorizar o que é menor, é cauteloso com o sentimento.

O sentido de Estado é uma bússola intuitiva na acção, é uma autodisciplina nas preocupações e um ideário inconsciente sobre os problemas.

O sentido de Estado é a ética e a estética de um estadista. A ética, porque não lhe ocorre o risco de pensar menor ou querer de menos. A estética, porque a obra-prima é a sua atracção, a sua definição.

O estadista conflitua com o seu tempo, ri-se e chora do seu tempo, projecta outro tempo.

O pudor da consistência é a sua arma principal, amassada em trabalho e na tal ansiedade que engrandece todas as fasquias e torna íngreme cada desafio.

O estadista tem mais do que coragem, tem desprendimento. Tem mais do que determinação, tem uma certeza tranquila. Tem mais do que ambição, a circunstância parece-lhe devida.

O estadista é o desejo mais profundo da intuição política de um povo. É incómodo no início, mas estável por fim. É o problema que traz a solução e não, como o povo se foi habituando, a solução que traz o problema.

A crise partidária radica na dificuldade em fazer emergir estadistas. Os intervalos entre estadistas são demasiado longos, é esse o problema da democracia moderna.

António Pinto Leite
No Expresso de 22 de Março de 2008